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O carioquês e a lições de um amigo

“E aí meu querido, nada aborrece?”

Não acredito. Quem encontro nas trilhas do Parque Duque de Caxias? O velho e bom amigo Marceleza, das quebradas da várzea do Glicério, em São Paulo. Não o vejo há tempos e mal posso entender o que faz ele ali, ostentando um agasalho verde-amarelo. (Aliás, explico logo, trata-se de uma divertida manhã para os brasileiros que viram, como eu, a derrocada da Argentina na Copa). No melhor estilo do legítimo paulistano que mora no Rio, o próprio Marceleza dissipa minhas dúvidas antes de qualquer pergunta.

“Estou no Grande ABC de passagem resolvendo umas paradinhas de sucesso. A vida anda muito competitiva. Les Bleus e Les Befles que o digam, é ou não é? Depois de ver a cara do Batistuta derretendo-se em lágrimas, fiquei comovido e não consegui dormir. Então resolvi seguir o conselho do doutor e sai pra passear, assim o reloginho aqui do peito fica ´especialaize´.

Não controlo o sorriso. O jeito de falar é inconfundível. Se já era único quando morava em São Paulo, imagine agora, depois de alguns anos no Rio? Ainda nem consegui lhe cumprimentar e ele já continua o monólogo.

“Foi bom lhe encontrar. Vou levar uns amigos para ver o que a festa da torcida do Flu no Maracanã. Você está convidado. Vamos assistir à final do Caixão. Meu Flu será campeão no ano do centenário. Feito que Flamengo e Vasco não conseguiram.”

Tento argumentar. Digo que o torneio está esvaziado e, afinal, o que está pegando agora é a Copa. Mas, logo me arrependo de ter tocado no assunto.

“Não leve a mal. Sabe que você é meu considerado. Mas, diga lá, você que também é do ofício de amontoar letrinhas: o que os coleguinhas da imprensa dizem da desclassificação das duas seleções que tanto endeusaram nos últimos tempos? O pessoal anda rancoroso com a nossa seleção. O que eles querem? O lugar do Felipão?”

Ele pergunta. Mas não espera a resposta.

“O futebol é um esporte emocionante, mágico, arrebatador. Mas é só um esporte,cara. Tem seus segredos, truques. E só. Porém, e sempre existirá um porém, mesmo se chamarmos de ludopédio, futebol nunca será uma ciência. Não tem lógica. É pura paixão. Você pode me explicar tanto rancor?”

Preferiria não. Mas quem sou eu para cortar o seu entusiasmo?

“Eles metem a boca que o homem só levou pessoal da confiança dele e aí começaram a chamar a seleção, em tom pejorativo, de Família Scolari. Mas não é assim nas redações? Um corporativismo sempre vai bem. Vamos nos cercar de amigos, que o trabalho vira melhor. Na transmissão da Globo, por exemplo, ai do Falcão e do Arnaldo se discordarem do Galvão. É ou não é?”

Não é bem assim, explico. Você trabalha com pessoas afins, mas não impõe seu ponto de vista. Minha resposta não foi convincente, e até eu reconheço. De imediato, ele já tinha outra provocação.

“Eles são só elogios para a seleção de 1.982 que perdeu. Mas esquecem que aquele time pegou uma primeira fase baba. Num dos jogos enfrentaram a Nova Zelândia. E olhe que só não tomaram pau da Rússia porque o juiz não deu dois pênaltis que o Luizinho fez nos gringos quando estava um a zero, lembra?”

Aquela seleção jogou o futebol arte, insisto. Mas sei que vem uma resposta daquelas.

“Ô, meu querido, malabarismo hoje só no circo. Hoje, o jogo jogado é mais pegado. Olha o que aconteceu com o Denilson contra a China. Meteram três chinas em cima dele e o menino nem andou. Não tem mais joão, nem mané. Olha a seleção da Dinamarca. Parece time de pebolim. Todos durões, enfileirados. É lindo pra quem escreve ou fala no microfone pedir dribles. O papel e a latinha aceitam tudo. Agora, lá no gramado, tem dia que a noite é fogo. Essas teorias que parecem um tratado de numerologia (4-4-2, 3-5-2) não ganham jogo. O que vale, no bate-final, é ser campeão. O resto é prosopopéia, seja lá o que isso quer dizer.”

Tento tirar a alça de mira da ‘metralhadora’ Marceleza sobre colegas. Lembro que há profissionais de futebol que também estão pessimistas e reclamam do baixo nível da Copa. Não há um grande time. Concorda?

“A seleção francesa, mesmo em 1.998, tomou uma calça arriada da Itália e só ganhou nos pênaltis. O mundo só foi reconhecer a capacidade daquele time (que hoje, aliás, já tratou de desconhecer) depois que venceu o Brasil. Os boleiros que estão fora têm mais de meter a boca mesmo. Sobraram. O que Romário, Antônio Carlos, Mauro Silva e outros sobreviventes vão dizer? Que perderam o bonde da História? Desde que o mundo é mundo é assim. Isso vale pra técnicos e ex-jogadores.. Todo mundo acha que no tempo dele era melhor.”

Andava saudoso das verdades absolutas do Marceleza. Ouso cutucá-lo: Marceleza, você é um eterno Pachecão. Pra você, o Brasil vai ser sempre campeão. Assim não dá…

“Se vai ser campeão, não sei. Mas os rapazes estão jogando uma bola redondinha. Quer dizer, dá pro gasto. Agora, tanto no futebol como na vida, vale lembrar os versos do Chico Buarque naquela música Beatriz que o Milton canta:
Para sempre é sempre por um triz. Futebol é momento, meu caro.”

*Diário do Grande ABC