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A Confraria dos Inesquecíveis

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Foto: Jô Rabelo

Éramos quatro ou cinco. Quase sempre.

Quórum mínimo: Almir, Nasci, Manoelino (Mané), Made e eu.

Havia um sexto elemento que não era tão assíduo, mas sempre que podia dava o ar da graça: o Maurício de Castro, nosso quase prefeito de São Bernardo do Campo.

Era um amigo mais do que querido.

Digamos que esse era o núcleo da nada secreta Confraria que se reunia, dia sim e outro também, naquele boteco na esquina das ruas Bom Pastor e  Greenfeld, onde o Sacomã torce o rabo e o ônibus Ponto Fábrica/Pinheiros range e bufa ao fazer a curva para seguir sua épica jornada.

O então vereador Almir Guimarães era o grão-mestre.

Nasci, o grão-vizir.

Nós outros formávamos os confrades, membros efetivos e vitalícios.

Havia outros. Muitos. Os temporários, e bisextos. Tento lembrar alguns: Durval, Alfredinho, Cebola, Juquinha, Aristides, Escova, Júnior, entre outros. Até o vereador de São Bernardo, Ari de Oliveira, vez ou outro, batia ponto entre nós.

Nossas imprevisíveis reuniões podiam começar à luz do dia, mas era inevitável que se prolongassem noite adentro. Sem qualquer previsão para terminar.

Daquele improvisado quartel-general, partíamos, já etilicamente amaciados, para prospectar outros horizontes. O universo de bares e restaurantes de Sampa.

As noites eram curtas, breves.

Sabíamos onde e quando começavam; nunca onde, quando e como poderiam acabar.

Havia uma regra única, rígida: nada de tristezas. Até porque mesmo as possíveis desilusões nossas de cada dia, se caíssem na boca santa da rapaziada, viravam piada, deboche e motivo para outra e mais outra rodada.

É possível, hoje, falar de um encantamento solto no ar.

Seriam os ventos da redemocratização do país naquele início dos anos 80?

Seria uma questão cultural, de uma era privilegiada na música, no teatro, nas artes e nos encontros em geral?

Ou talvez porque fossemos relativamente jovens e inconsequentes?

Ou ainda porque acreditávamos no sonho que se sonha junto e se faz realidade?

Não sei.

Nunca saberemos.

Queríamos viver.

E assim fazíamos na vida real. Porque trabalhávamos muito – e sequer percebíamos. Eu mesmo fiquei 16 anos sem férias, e não me dei conta. Pois, havia aquele espaço mágico, lúdico, que era nosso onde cultivávamos aventuras brejeiras (que hoje são doces lembranças) e abastecíamos o grande portal da Humanidade com o mais nobre dos sentimentos: a amizade.

Recordo-me de um fim de tarde que saímos do boteco (onde hoje se posta imponente a estação Sacomã do metrô) e fomos direto para a Churrascaria Esteio, ali, pertinho entre os viadutos do complexo viário Escola de Engenharia Mackenzie.

Estava só a alta cúpula. A diretoria. A saber, e repetindo: Almir, Nasci, Made, Mané, o Maurício e eu. Talvez, o Tonhão, o motorista do Almir, não lembro.

Chegamos e nos aboletamos nas poltronas ao redor de duas ou três mesinhas do acolhedor bar do restaurante. Tão acolhedor que ninguém ousou sair dali e se arvorar no rodízio.

Não sei precisar quantas horas permanecemos ali, cientes da nossa função maior: resolver os problemas do Brasil e do mundo só no conversê.

Sei que acabamos com o estoque de porção de coraçãozinho de frango para equilibrar a bebericação que, como de praxe, foi intensa.

À saída, óbvio que fomos os últimos a deixar o estabelecimento, topamos com um dos garçons horrorizado, com a nossa faina:

— Ô turminha da pesada, hein! Vamos ter que repor o chopp pro fim de semana. Acho que só de coraçãozinho de frango foram consumidas 10 porções, de 15 a 20 unidades…

Devidamente calibrado pelo halterocopismo, bateu um súbito arrependimento na sacrossanta ingenuidade do Manoelino:

— Jesus, que matança nós provocamos!

Hoje, lá se vão trinta e muitos anos, há uma doce nostalgia em lembrar esse tempo. Repito Neruda e modestamente digo:

Confesso que vivi.

Sobre aquela a turma? Bem… tivemos alguns desoladores desfalques.

Por isso, e tudo o mais, agora eu só a chamo de a Confraria dos Inesquecíveis.

Trilha sonora daqueles memoráveis idos e vividos, a cargo do grão-mestre Almir: o repertório romântico de Júlio Iglesias, a quem os membros da Confraria chamavam de Julinho, o arrasa corações.

Às vezes, tu; às vezes, eu… Quase sempre nós!

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