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A Varanda. Uma novela blogueira

Era o primeiro dia de um ano qualquer.
De um tempo qualquer.
As casas ainda tinham portões baixos
e varandas, pequenas varandas
que se transformavam em território
livre para os casais enamorados. Ali,
estavam a salvo. Entre o compromisso
de ‘namorar em casa’ e os perigos
da malfalação das ruas.

Na varanda, era onde tudo acontecia – ou quase.

A moça esperava o rapaz. Ele lhe roubava
o primeiro beijo. As carícias avançavam.
Construíam-se sonhos, segredos.
Faziam-se projetos, planos para o futuro.
Discutia-se por nada. Cenas de ciúmes, também.
O acerto de contas – não se usava a expressão
discutir a relação. Ficavam de bem – ou não.

Na varanda, a despedida, o fim.
Também podia acontecer…

Tudo sob a espreita velada da família, ouvidos
atrás da porta; e da vizinhança, olhares
entre as frestas da janela…

Eis o tema da nossa primeira novela blogueira.

CENA 1 – O casal na varanda

— Eu não acredito mais na gente.

Ela disse em tom determinado, de quem havia pensado e repensado a situação. Não lhe interessava o passado, nem o futuro. Queria dar um fim àquele amor acabado, esgarçado por promessas e desilusões. Não poderia precisar quando tomou consciência do que estava ocorrendo. Mas, era fato. Acabar com aquela indecisão virou objetivo de vida. Queria viver o presente. Só isso… Seria pedir muito?

CENA 2 – Ele custa acreditar…

Estava em pandarecos. Nunca lhe passou pela cabeça viver tamanha aflição. Tinha certeza: era a mulher da sua vida, embora andasse um tanto ocupado para lhe dar a atenção que sempre pediu. Pensou que fosse dengo de menina mimada que, aliás, ela nunca deixou de ser, mesmo depois de se transformar numa insinuante mulher.

Ele próprio contemporizava. Não cabia aquela insegurança. Já havia lhe dito, não se lembrava quando, mas havia dito: ela era tudo o que ele sempre quis para sempre – e agora, num desses vapt-vupt da vida, ameaçava por um ponto final e seguir em frente. Que bobinha — pensou. Aonde pensa que vai chegar agindo desse modo, sem medir as conseqüências…

Lembrou de ouvi-la dizer algo sobre um tal de "relacionamento pra valer". Falou também sobre uma definição para que vivessem juntos, felizes, morando na mesma casa, discutindo aquelas coisas comuns de todo casal: contas a pagar, luz, telefone. Problemas familiares, visitas indesejáveis, supermercados. Filhos, isso mesmo, filhos, por que não tê-los?

Era o que ela tanto sonhava…

Achou que fosse coisa de momento. Não havia dúvidas sobre o que os dois sentiam. Mas, preso ao trabalho e a outras tantas obrigações e compromissos, achou que com o passar do tempo tudo naturalmente se acomodaria. Afinal, todos invejavam o modo como se amavam.

Eram mesmo feito um para o outro.

Em uma coisa, no entanto, concordava. Já não se divertiam como nos primeiros tempos. Culpa dele, reconhecia. Até já se esquecera a espontaneidade de um sorriso. Pudera, tantas e tantas a resolver…

Não dá para conciliar tudo.

Respirou fundo. Admirou sua doce beleza. Ela desandara a falar sobre coisas que ele não gostaria de estar ouvindo. E falava num tom absolutamente sério, convicto. Tentava contra-argumentar e invocava o quanto foram felizes e dos momentos únicos que viveram de plena entrega.

Não recebia qualquer resposta favorável, qualquer reação…

Entendeu que o barco fazia água. Passou a considerar a hipótese de que estava mesmo tudo acabado. Mesmo assim jogou os últimos trunfos. Disse tudo o que um homem pode dizer à mulher amada — e foi embora.

O truque já dera certo em outras ocasiões. Entrou no carro sozinho. Esperou alguns minutos antes de dar a partida naquela trapitonga que lhe trouxera de tão longe. Olhos arregalados, coração batia rápido,
descompassado. Silêncio absoluto. Nem sombra dela. Girou a chave na ignição. Pisou no acelerador e lentamente foi deixando para trás os sonhos e a frustração de ter cavado o próprio fracasso.

Duas curvas depois, a estrada abria-se a sua frente. Pensou em voltar… Mas, não havia retorno à vista, tanto para o automóvel como para esse amor que acabara de acabar.

— A vida continua, resignou-se…

CENA 3 – Ela fez o que deveria ser feito…

Precisava não chorar — ao menos, na frente dele.

Sabia que o jogo era pra valer. Queria ser forte. Nem pensar em voltar atrás na decisão que, aliás, vinha amadurecendo há algumas semanas. Era tudo ou nada…

Amaram-se demais, é certo. Porém, já não eram os mesmos. Coisa comum de acontecer. Andavam cada vez mais distantes. O encanto havia se quebrado. Não havia porque insistir, continuar…

"Acho só que é tempo perdido. Você é quem sabe…"– dissimulou a mãe, ainda ontem, durante a ceia do reveillon. Apesar da data, estavam todos tristes. Não havia o que festejar.

"Sem chance, parte para outra. Mas, lembre-se, os homens são todos iguais".

A irmã não fazia segredo. Gostaria de vê-la livre daquele estorvo. O pai nada falou — aliás, como era de seu hábito. Nunca foi a favor daquele romance. Mas, não lhe pediram qualquer opinião. Não seria agora que se faria ouvir.

As vozes misturavam-se às lembranças, doces lembranças, de um passado não tão distante. Nunca imaginara ter que dizer a ele o que estava a lhe dizer e, aparentemente, não sentia qualquer abalo.

Podia ser diferente, menos dolorido. Ele relutava em ir embora. Ela já se desesperava. Não agüentaria a pressão por muito tempo. Um vacilo — e pronto. Abriria os braços em sua direção e tudo voltaria à rotina de sempre. Um dia-a-dia que já não preenchia a enorme sensação de vazio. Segurou-se o mais que pôde. Não moveu um músculo sequer em sua direção.

Como um bicho assustado, encolheu-se num canto e virou o rosto para a parede. Fez-se o silêncio. Já não se olhavam. Ouviu passos e o ruído do portão se fechando. Só então desatou a chorar. Estava tudo acabado. Era hora de repensar a vida. Não queria que fosse assim.

Mas, certo ou errado, era o que precisava ser feito.

Sentia-se sinceramente triste. Mas, ao mesmo tempo, livre, leve. Não cabia arrependimento, apenas esperança. Era hora de terminar para recomeçar.

Então, lembrou que era primeiro de janeiro.
Ano novo. Vida nova.

"Até que enfim ", suspirou chorosa. Mas, confiante na morenice de seus vinte e poucos anos:

— A vida continua, entusiasmou-se.

CENA 4 – A irmã, amiga e conselheira…

Notou um brilho diferente nos olhos da irmã que acabara de entrar. Percebeu, porém, que continuava triste. Havia chorado, é certo. Logo, logo viriam sinais de melhora, acreditava nisso. A tensão passaria. Ela saberia dar tempo ao tempo.

À noite, sairiam para conversar, como grandes amigas que sempre foram. Ouviria tudo o que a irmã tinha a lhe dizer, daria sua opinião sem grilos, e conselhos — afinal, era um ano mais velha.

Tinha certeza de que a maninha sairia de mais essa roubada e ambas dariam, ao boas e sonoras gargalhadas ao lembrar desse dia. Como nos tempos de adolescentes.

A bem da verdade, nunca entendeu tal relacionamento. Da noite para o dia, a irmã começou a falar em amor eterno, alma gêmea. Que ele era o homem da sua vida. Estranhou, lógico.

Não lembrava de vê-la assim antes.

Cresceram juntas. Frequentaram as mesmas escolas, o mesmo curso de inglês. Aprenderam violão, vestiram-se de anjinhos nas procissões e eram vidradas em festinhas, no teatrinho na escola e showzinhos improvisados. Mas, gostavam mesmo de contar vantagens sobre as aventuras e conquistas junto aos garotos da cidade.

Digamos que, no bom sentido, até competiam entre si para ver quem ficava com o surfista mais gatinho. Roqueiros, groupies e afins também entravam na disputa.

Sempre foi muito divertido.

Teve um dia que ela própria – a maninha mais velha – extrapolou. Enrabichou-se por um bicho-grilo que apareceu na cidade em plenos anos 80. Quando deu por si, estava em Matchu-Pitchu.

Meu Deus, o que foi aquilo?

Achou o gringo tão gracinha. Uma verdadeira relíquia. Vivia do que produzia. Brincos, colares, pulseiras, balangandãs de fazer inveja à Carmem Miranda. Não resistiu àquele sotaque sibilante, aquele jeito sincopado de falar.

Para encurtar a conversa, largou-se no mundo. Partiram de ônibus, com alguns trocados, pelos sinuosos camiños de la latinidad.

É verdade que, antes mesmo de atravessar a fronteira uruguaia, já estavam com fome e sem dinheiro. Mas, ele não dizia nada; não seria ela a estragar a aventura com essas bobagens tolas.

Dois dias depois, estava exausta e na mendicância. Achou melhor dar sinal de vida à família. Adivinhem com quem falou num telefonema a cobrar? Com a irmã, claro. Foi ela, aliás, quem amaciou a mãe e o pai e, de quebra, lhe arranjou dinheiro para voltar até porque o ‘guaio’ já dera no saco.

Eram mesmo muito unidas.

Quando chegou, foi recebê-la na estação e não fez qualquer comentário. Fez mais: só depois que os pais lhe asseguraram que não haveria represálias levou elazinha para casa.

Hoje seria a sua vez de dar o ombro amigo. Afinal, por tudo já descrito acima, era uma mulher experiente.

Além do que a própria irmã, ao entrar, já dissera:

— A vida continua.

Melhor assim. Não ia lá com a fuça daquele tipo. Que história! Amor eterno, alma gêmea. E lá isto existe?

CENA 5 – Coração de mãe…

Era a mãe – e sabia o que estava dizendo.

Cuidou-se a vida toda para dar às meninas uma educação compatível com os dias que estavam vivendo. Algumas amigas diziam que era moderna demais, compreensiva demais, generosa demais. Sentia um tom de crítica na frase. Mas assim é que era preciso ser – e ponto.

Argumentava sempre que às vésperas do Terceiro Milênio não podia ser diferente. Hipocrisia nunca.

As meninas cresceram nesse clima de liberdade, jogo aberto mesmo e, apesar de algumas decepções, não se arrependia um milímetro do que havia feito.

Hoje, eram moças bonitas, inteligentes, formadas — a mais velha fazia pós graduação — e logo, logo se encaminhariam na vida, tinha certeza.

Eram namoradeiras. Mas, normal. É da idade. Mais cedo ou mais tarde, se acertariam também no perigoso jogo do amor.

Por isso, sabia o que a filha mais nova estava sentido.

Até ela acreditou que, desta vez, era para valer. No início, começou falando dele com admiração. Não havia nada entre eles ainda. Mas, vira-e-mexe, lembrava uma das suas piadas, citava uma fala, comentava um show que havia assistido e até sua discreta deselegância. Ria e viajava só com o olhar.

Percebeu tudo.

Era uma questão de tempo. Modéstia à parte, tinha uma filha encantadora. Ele não resistiria…

Dito e feito. Alguns meses depois, veio com a notícia num final de semana. Havia tomada a iniciativa e foi maravilhoso. Tinha certeza: estava amando. Comemoraram o feito como grandes amigas e brindaram com vinho tinto, embora fizesse um lindo sábado de sol. Estava que era só felicidade e logo contou a novidade para a irmã. Foi uma manhã inesquecível.

Pôxa, eles se amavam.

Todos viam e comentavam: feitos um para o outro. Ele sabia como cortejá-la, como fazê-la feliz. Graças ao bom Deus, estavam todos bem — inclusive ela, a mãe.

A roda do tempo revela-se, por vezes, implacável. E gira que gira. Reduz nossas ilusões a pó.

Uma manhã à toa percebeu que não brigavam. Eram atenciosos um para com o outro. Mas, já não carregavam o intenso brilho da paixão.

Conversavam. Ela escutou por escutar. A menina comentava que sentia falta de um trabalho mais realizador, uma carreira própria da qual podia se orgulhar. Ele, por sua vez, não ficava à vontade nesse assunto. Fazia observações e restrições. Dizia saber o que era bom ou ruim para ela. E, a bem da verdade, estava financeiramente equilibrado. Esse negócio de trabalhar era bobagem…

Conhecia sua menina. Tinha certeza de que ela não estava gostando dessa tutela. No entanto, preferiu não fazer qualquer comentário.

Poderia ser mal-interpretada…

Colocava-se na pele da menina. Lembrou que, na idade dela, tinha tantos sonhos. Queria ser alguém. Não se via como uma mera dona-de-casa. Pintava, bordava, declamava, fazia poesias. Chegou até a ensaiar alguns passos de sapateado. Era muito ativa.

Era…

Pois, casou. Aí, vieram as meninas e tudo mais virou um grande hobby. Uma brincadeira, até certo ponto triste.

Por isso, quando a filha lhe disse que o romance estava por um fio, não se surpreendeu. Teve de esconder uma inoportuna satisfação. Mas, entendeu que era preciso coragem.

Enfim, se as coisas já não andavam bem, para que insistir?

Ela e a menina pareciam-se tanto. Talvez fosse essa mesma a decisão certa. Não que ela própria, hoje uma respeitável senhora de cinqüenta e tantos anos, se arrependesse de algo. Era uma mulher realizada. Mas, se tivesse lutado por aqueles ideais, o mundo certamente teria conhecido uma de suas mais sensíveis artistas plásticas. Sua especialidade: pintura em porcelana.

Bem, era hora de pensar na filha. Assim que a menina entrasse, iria ao seu encontro para, num imenso abraço, mostrar que ela nunca estará sozinha…

E, como todos dizem, a vida continua…

CENA 6 – A vida em tom sépia, como se fosse Carlitos…

Nunca foi de muito falar.

Também com três mulheres em casa, pouco lhe sobrava para opiniões e pareceres. Não reclamava. A mulher e as filhas — além da chacrinha que herdara nos arredores da cidade — faziam sua plena felicidade. Gostava de estar com elas. Divertia-se.

Aliás, sempre lhe aprontavam alguma. Como aquela vez, num shopping da Capital, entraram as três num improvisado estúdio fotográfico e cismaram em tirar uma foto com roupas de época. Foi obrigado a pagar esse mico. Mas, no preciso momento, vestido a caráter, imaginou-se o próprio Carlitos. Por isso, arregalou os olhos na hora do flash e se saiu muito bem. Todos que viam a foto da família elogiavam sua performance em tom sépia.

Destacou-se mais do que as três, quem diria?

Ficou melhor caracterizado que Belinha, a mais nova e, cá entre nós, a mais meiga. Era um doce de menina, carinhosa e sempre lhe dando uma atenção especial.

Pois não é que justamente Belinha estava lhe deixando preocupado. Andava amuada, sempre a cochichar com a mãe e a irmã.

Certamente, falavam do rapaz que não aparecera para as festas de fim-de-ano. Nem lembra direito do motivo que a filha alegou para a ausência. Ficou feliz, mas não contou para ninguém sobre o seu regozijo. Ela teria mais tempo para mimá-lo e lhe fazer companhia quando ia para a roça nas manhãs de sábado. Era uma delícia caminhar por aquelas trilhas rústicas, ouvindo suas histórias de garota destemida a enfrentar os desafios da cidade-grande, onde foi morar quando completou 18 anos.

Não sabia dizer se agora ela tinha 23 ou 24. Talvez 25. Estava formada e agora era doutora, mas ainda não estava satisfeita com os rumos profissionais. Era tratada como estagiária. Ora, não sabiam o talento que estavam perdendo.

Quando apareceu com a notícia do namoro, lógico, contou primeiro para a irmã, depois para a mãe. Foi o último a saber e por vias indiretas.

Não emitiu qualquer comentário.

Primeiro porque sequer sabia quem era o moço. Segundo porque não lhe davam atenção mesmo se tivesse estudado a árvore genealógica da família do sortudo – encantar Belinha era mesmo tirar a sorte grande na loteria da vida.

Sempre esquecia o sobrenome italiano do rapaz. Seria um ato falho?

Vamos ser sinceros. Não se sentia confortável sempre que os via junto. O moço tinha um jeitão sério, respeitoso. A menina era mais arisca. Grudava nele e não largava. De início, ficava sem jeito. Mas, aproveitava a situação… De bobo, ele não tinha nada.

Não desgostava dele, não. Ao menos, não usava aqueles bermudões pelas canelas, nem o boné com a aba para trás. Parecia um genro normal. O que já era uma notável conquista nesses tempos de MTVs, McDonalds e afins…

Agora, estavam ali, os dois, na varanda, enredados numa discussão sem fim. Ele próprio – o pai – já estava atordoado. Não sabia o que pensar. A filha talvez estivesse se precipitando. Não seria melhor pensar mais sobre o assunto. Ouvir as explicações dele…

Namoravam há tanto tempo…

Pôxa, essas mulheres nunca estão satisfeitas. As três. Eram os amores da sua vida. Mas, quando cismavam com alguma coisa, sai de baixo. Formavam um clube do Bolinha às avessas. Sabia o final de mais esse caso especial: o rapagão, que agora achava até simpático, estava rifado. Assim como o sonho que ele discretamente acalentava de ser avô ainda naquele ano que mal se iniciara. Mas, que prometia fortes emoções…

Silenciosamente (aliás, como era um hábito seu) e sozinho, resolveu brindar, com uma purinha e de uma golada só, os inefáveis desígnios daquilo que aprendemos a chamar de destino – inclusive o dele próprio. Já vivera tempo suficiente para saber que o amor, mesmo quando acaba, quando provoca dores e aflições, é a mais intensa e poderosa manifestação de vida.

Riu de si próprio e de toda a encrenca.

— Passará, passará… – gostou de repetir baixinho aquela certeza.

Afinal, todos estavam bem. Nada que duas ou três noites de sono pesado não curassem. Eram jovens e logo, logo, recomeçariam suas vidas como se esse primeiro de janeiro nunca tivesse existido.