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Caetano De Domenico, a entrevista

Continuo nossa conversa de ontem.

Imagine você, caríssimo leitor, um senhorzinho de expressão alegre, fala pausada e algo irrequieto para suas prováveis  80 e tantas primaveras.

Um senhorzinho humilde que logo foi se apresentando a dizer que o repórter não deveria levar tão a sério o que tinha a lembrar, pois naquela fase da vida, andava com “a cabeça na lua”.

Foi assim que conheci Caetano De Domenico em sua residência, uma casinha modesta entre as centenas de lojas e estabelecimentos comerciais da movimentada rua Silva Bueno, no Ipiranga.

– Acho que somos os últimos moradores da rua, brincou. – Também nessa idade para onde podemos ir, eu e minha senhora?

Caetano De Domenico jogou em diversas equipes amadoras quando o futebol ainda não era um esporte profissional. Depois, fez carreira no São Bento de Sorocaba e no Clube Atlético Ypiranga, entre outras equipes.

– No começo, tudo era uma grande diversão. Um encontro de amigos. Com o passar do tempo, a competição entre as equipes começou a ficar séria. A rivalidade aumentou com o profissionalismo.

Em campo, todos tinham o mesmo posicionamento. O tal WM, esquema que, segundo especialistas, foi base para todos os que vieram depois. Basicamente, o goleiro, dois zagueiros, três médios e – acredite, leitor – cinco atacantes. Só a vitória interessava, fosse qual fosse o adversário.

Segundo Domenico, a princípio, os times eram muito nivelados. Além do que, “ninguém conhecia ninguém” ou conhecia muito pouco.

– Marcava-se o jogo no campo adversário ou no nosso campo e se corria atrás da bola. Essa era a diversão, o entretenimento.

Com o profissionalismo, os campeonatos oficiais, organizados primeiro pela APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos) ou pela Liga Paulista de Foot-ball (a fusão originou a Federação Paulista de Futebol), o cenário mudou de figura.  Palestra, Corinthians e Portuguesa se consolidaram como forças em todo o
Estado (o São Paulo veio depois, em 1935).

Mas, aí, Caetano De Domenico já era técnico de futebol “pra levantar uns cobres”.

Uma mixaria que, mal e mal, dava “para fazer a feira”.

Como treinador,  teve uma longa lista de clubes que inclui o Palestra Itália nos anos de 1940 e 1941.

No entanto, Caetano se notabilizou e entrou para história do Planeta Bola quando dirigiu equipes de menor potencial como o Nacional, o Ypiranga, a Ferroviária de Araraquara e o próprio Santos, ainda na era anterior a Pelé.

Motivo: os times que comandava eram ‘carne de pescoço’ nos confrontos com os chamados grandes. Tudo porque Caetano posicionava seus jogadores em campo de uma forma inusitada.

O leitor que hoje ouve falar das famigeradas “duas fileiras de quatro atrás da linha da bola”, provavelmente, não imagina que, lá nos primórdios do futebol, o nosso entrevistado  fazia algo muito parecido.

Recuava os dois médios para compor com os quatro zagueiros, fechava com três boleiros à frente deles e, além do que, destacava um jogador mediano para ‘colar’ no principal atleta da equipe adversária.

Era uma dificuldade fazer gols nesses times. Numa época em que as goleadas eram frequentes, enfrentar os times de Caetano De Domenico era mesmo um sufoco.

Especialmente quando treinou o Clube Atlético Ypiranga, essa estratégia de jogo fez enorme sucesso. O Ypiranga passou a ser considerado o “asa negra” dos papões do campeonato paulista (já incluindo o São Paulo entre os tais), o principal certame disputado à época.

Os jornais paulistanos e os locutores de rádio enalteciam “a marcação cerrada” exercida pela equipe de Caetano De Domenico.

Daí, pra ‘cerradinha’ foi o próximo passo.

Lembro o olhar de menino daquele simpático senhorzinho ao me contar de suas travessuras como técnico de futebol:

– Eu pegava um jogador comum do meu time e punha em cima do principal jogador deles. Onde quer que um fosse o outro ia junto. Ninguém estava acostumado com isso. Então, logo se irritavam e não jogavam tudo o que sabiam e podiam.

Perguntei se o sistema era infalível.

Outra vez o menino tomou o lugar do senhor franzino de 80 anos na resposta:

– Quase…

– Como assim, insisti na explicação.

– Se o jogador deles, o craque, estivesse inspirado e com a cabeça no lugar, aí, não havia ‘cerradinha’ que segurasse a fera.

Disse – e riu gostosamente.

Tantos e tantos anos depois, toda vez que ouço comentaristas e técnicos, assumindo ares de sumidades científicas, ao analisar esta ou aquela partida, a partir  deste ou daquele esquema tático, toda vez que vejo as estatísticas que mapeiam o jogo e o desempenho dos atletas, penso que o futebol deixou de ser um esporte, uma diversão, um entretenimento que tanto nos encantou – e me consolo a recordar a risada do simpático velhinho.

Ele, sim, sabia da arte, do ofício e da magia do Planeta Bola.

*Nota do Blog:

Caetano de Domenico morreu em 1995, aos 100 anos.

4 Responses
  • Simone Rodrigues
    7, janeiro, 2021

    Caetano de Domênico!

    • Rodolfo C. Martino
      7, janeiro, 2021

      Grato por seu comentário. Esclareço que obedeci a grafia original do nome do saudoso Caetano de Domenico. Não existe o acento circunflexo no idioma italiano.

      • Anna Letícia De Domenico Maso
        15, junho, 2021

        Caro Rodolfo,
        Agradeço a reportagem sobre meu querido avô paterno Caetano De Domenico! E com esse De em maiúscula, que ele fazia MUITA questão!!!
        Gostei muito de ler o que você escreveu.

        Um abraço,
        Anna Letícia De Domenico Maso

  • Rogerio Costa
    3, outubro, 2022

    Conheci o Sr. Caetano De Domenico, nos anos 80. Minha família tinha um bar logo em frente a residência dessa ilustre personalidade, sempre muito simpático. Lembro uma vez que fui abrir as portas de aço do bar, e eu não percebi que o sr. Caetano atravessou a silva Bueno, e me cumprimentou dando um firme tapa nas costas, me surpreendi, pois ele tinha uns 90 anos, mas o vigor físico dele era surpreendente. Lembro me da esposa dele, a dona Letícia, uma senhora muito agradável!! O sr. Caetano vivia com as carteirinhas do time e num sotaque italiano, sempre perguntava qual era o time daquela pessoa, e após a resposta, ele pedia para essa pessoa beijar a tal carteirinha. Eram documentos antigos, e também na sala haviam fotos, condecorações. Saudades desta época e me sinto privilegiado e honrado em conhecer pessoas tão incríveis. Grato pelo texto!

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