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Duas vidas

O ator italiano Vittorio Gassman (1922/2000) disse, certa vez, que seria bom se fosse nos permitido desfrutar de duas vidas. Faríamos como fazem os artistas no teatro. Na primeira, ensaiaríamos. Na outra, sim, viveríamos pra valer.

Seria a solução?

Sinceramente, e como de costume, não sei.

Ontem, ouvi uma frase correlata à do talentoso genovês.

“Ah, professor, se o senhor pudesse dispor de outra vida…”

Ouvi e fiquei intrigado.

(…)

Quem disse a frase é uma das nossas assistentes, aqui, na Universidade. Ela é de natureza quieta, algo tímida, de brevíssimas palavras. Gentil e bastante solícita. Só fala depois de ouvir o que lhe dizem.

De repente, observou alguma coisa que eu não captei e soltou essa de “outra vida”.

(…)

Como disse, fiquei intrigado e, cá com meus escassos botões, generalizei a questão.

O que faríamos se dispuséssemos do privilégio de ‘ensaiar’ a vida que nos cabe?

O que gostaríamos de fazer que não fizemos?

O que fizemos e, ulalá, não deveríamos ter feito?

Fiquei ruminando essas questões o dia todo.

Sem resposta alguma que satisfizesse.

(…)

Eu, que sempre admirei a frase de Gassman, comecei a questioná-la no fim da tarde.

De algum modo, temos o que chamam de livre-arbítrio – e isso nos basta, mesmo sem saber aonde vai dar a nossa escolha.

Imagine se, a cada instante, a vida nos impusesse a tal escolha de Sophia?

‘Se eu for por aqui, o caminho eu já conheço, vou dar em tal lugar que não é lá grande coisa. Mas, se eu pegar esse atalho pode ser que eu encontre o pote de ouro no fim do arco-íris. ’

(…)

Agora, quem me garante que o pote de ouro é sinônimo de felicidade?

E, quantas pessoas queridas, situações prazerosas, pequenas grandes conquistas, risos frouxos, conversas fiadas e tais e quais, eu deixaria de viver só porque mudei a rota dos meus passos?

Não é simples, não, amável leitor.

(…)

Mesmo não sendo um príncipe, o rei da Rio, o dono da bola, o encantador de serpentes, mudaria pouquíssima coisa nesta minha humilde trajetória.

Uma ou outra coisa no atacado (não descuidaria tanto da saúde, por exemplo. Bater nos três dígitos ao subir numa balança é um relaxo, concordam?). No varejo, vida que segue, não tenho o que reclamar.

Como diz a letra do Nando Reis, “o mundo é bão”.

Não chamo Sebastião, mas seria uma enorme ingratidão não reconhecer as bênçãos que me foram – e são – dadas diariamente. Incluo, entre elas, o fato deste nosso encontro diário. Eu e você, aqui, no Blog.

(…)

Um adendo. Só hoje pela manhã descobri que a observação que a moça fez não foi para mim. E, sim, para um jovem professor que, todo prosa, contava suas ruidosas aventuras noite adentro. De qualquer forma, valeu a reflexão…

* Foto de autoria do blogueiro. Monumento na Espanha, chamado O Homem Dividido

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