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Horóscopo do jornal

Dom Quiroga e outros astrólogos que nos perdoem…

Mas, naquele tempo na Redação de piso assoalhado onde me iniciei nas artes e ofícios do jornalismo, o horóscopo era um capítulo à parte.

Alguns de nós questionávamos como um jornal de respeito se dava ao mister de publicar tanto quásquásquás. AC, o editor em chefe, garantia que era a seção mais lida da publicação. Batia com larga margem a coluna social do Nasci, as novidades da TV do Ismael Fernandes e até os comentários esportivos do Chiquito Mendes.

Duvidávamos.

E ele, cofiando o vasto bigode, encerrava as discussões, com um solene:

— Pesquisas, meus caros, pesquisas.

II.

Ninguém assinava as benfazejas previsões.

Estranhávamos.

Só sabíamos que, como se fosse coisa do além, nos dias e horas aprazados lá estavam os revisores – pois é, naquele tempo os jornais tinham uma equipe de revisão – a ler o horóscopo da semana.

Quando perguntávamos quem escrevia aquelas bobagens, AC nem perdia tempo com detalhes.

— Compramos de uma agência internacional de notícias.

E ajeitava o bigodão…

III.

Quase acreditávamos.

Vira e mexe, alguma alma mais aflita telefonava ou aparecia por lá para agradecer ao mago de plantão. Na ausência do mesmo, todos ouvíamos o desabafo:

— Parece que ele escreve pensando em mim.

O quê, aliás, só fazia aumentar o mistério.

IV.

Havia até um dos nossos, o Betão, que queria consultá-lo pessoalmente. Ele se dizia apaixonado pela Luci, uma morena sestrosa e sorridente que trabalhava na recepção. Que não lhe era indiferente de todo, mas também dava a menor esperança.

Mas, tudo o que sabíamos sobre a procedência do horóscopo vinha do AC:

— Já disse. Compramos de uma agência internacional de notícias.

V.

Ficávamos inconformados. A Redação vivia com orçamento enxuto. Nossos salários (pagos em dia, é bem verdade), mas dentro dos mais rigorosos padrões do mínimo estabelecido pelo Sindicato. Sem contar que, em toda época de dissídio da categoria, ouvíamos a mesma cantilena do AC:

— Sei não. Desconfio que haverá dispensas.

Dizia isso com sinceridade. Ar contrito e bigode mucho a esconder os lábios.

VI.

O fim do mistério, meus amáveis cinco ou seis leitores, se deu por obra e graça do acaso. Um dos boys, o Devito, refugiou-se em um dos porões do velho prédio do jornal para fins incertos e não sabidos, mas que causavam nuvens de fumaça.

Foi lá que, no auge da vertigem, ele nos jurou o mago se materializou. Tinha a estranha forma de antigas coleções do jornal, com as páginas de Variedades devidamente esburacadas no espaço onde publicávamos o horóscopo.

VII.

Fácil deduzir.

Recortar o horóscopo da mesma semana do ano anterior era a primeira coisa que o AC fazia quando chegava às segundas na Redação. De imediato, ele já o encaminhava para a composição na Oficina, onde contava com a discrição e os palpites do velho Itagiba, o linotipista que, quando tomava umas e outras, era dado a profecias e se dizia um profundo conhecedor da alma humana.

VIII.

Não ousamos tornar público a descoberta. Até porque era dezembro, mês do reajuste da categoria e não sabíamos, ao certo, como o AC poderia reagir.

Quem ficou inconsolável mesmo foi o Betão:

— Mas, justo agora que, para mim, iria começar uma fase auspiciosa no amor!!!

Imagem no blog: FreePhotoBank.com

[Texto publicado no livro "Meus Caros Amigos – Crônicas sobre jornalistas, boêmios e paixões"]