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Românticos inesquecíveis

Numa dessas bancas de promoções à entrada do magazine, vejo uma pilha de CDs a um preço bem sugestivo: 9,90.

Vocês me conhecem.

Acham que eu resistiria?

Me aproximo de mansinho. Só para conferir.

De cara, vejo um CD do Nélson Gonçalves.

Título:

“Eu e Eles”.

Fico, então, a imaginar o que o saudoso boêmio disse ao ver a “invenção” da gravadora.

Machista do jeito que era, não deve ter gostado nada, nada.

II.

Era menino e aprendi a gostar do vozeirão de Nélson por causa do meu Tio Toninho.

Ele adorava o cantor e o imitava na pose malandra e no penteado à base de muita brilhantina.

Era divertido vê-lo cantar junto com o rodar do disco que enchia de sonoridade e poesia a casa da vó Inês e do vô Carlito.

O tio só silenciava para ouvir um dolente samba-canção chamado “Deusa do Asfalto” (Adelino Moreira). Também, pudera, no verso final Nélsão solta a voz num agudo que só ele conseguia alcançar:

“ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ…
Cantando que afasto do coração
Essa mágoa que ficou
Daquele amor

Se não fosse
O amigo violão
Eu morria
De saudade
E de dor”

III.

O tio ficava numa tristeza só.

Quando a música acabava, ele ia lá, na vitrola (pois é, vitrola!), e punha para rodar de novo a mesma canção.
Dá-lhe Nelsão:

“Um dia…
Sonhei um porvir risonho
E coloquei o meu sonho
Num pedestal bem alto

Não devia
E por isso me condeno
Sendo do morro moreno
Amar a deusa do asfalto.”

IV.

O pai, amigo e parceiro de gandaia, olhava o tio e debochava:

— Toma jeito, português.

O tio devolvia no mesmo tom:

— Vou tocar “Besame Mucho”. Aí quem chora é você.

Desconfio que os dois tivessem lá suas confidências.

Porque logo mudavam de assunto quando a tia e a mãe chegavam por ali.

Disfarçavam.

Abriam outra cerveja e deixavam que a música embalasse aqueles fins de tarde no Cambuci.

Os dois pareciam viver de sonhos.

Eram românticos…

V.

A propósito, “A Deusa do Asfalto” não consta do CD “Eu e Eles” (que acabei comprando, óbvio). Mas, descobri ali algumas especiarias como os duetos Nélson (daí o título) com: Tim Maia em “Renúncia” (Mário Rossi/Roberto Martins), Marinho da Vila em Lembranças (Benil Santos/Raul Sampaio) e Luiz Gonzaga em “Asa Branca” (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira).

Aliás, uma incrível coincidência marca a vida de Gonzagão e Nélson. Os dois chegaram juntos à RCA em 14 de março de 1941 – e de lá fizeram duas das mais luminosas carreiras da MPB.