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Tênis vermelho

Certa tarde, a Constanza Pascolatto, ela mesma, elegantíssima, apareceu na Redação do jornal em que eu trabalhava.

Em outra ocasião, passei em frente de uma livraria, onde a Glorinha Kalil participava de uma sessão de autógrafos de um dos tantos livros de moda que escreveu e escreve.

Durante um bom tempo fui leitor assíduo de Danuza Leão em suas crônicas na Folha de S.Paulo. Inclusive uma em que ela, do alto de sua fidalguia, diz que para bem geral de todos e harmonia do universo as mulheres nunca deveriam usar botas brancas.

II.

Pois é…

Com tantas e tão boas referências, mesmo assim, lá um dia, cismei de comprar um tênis vermelho.

Faz uns três ou quatro anos.

Estava na moda ou era uma tendência, não sei bem.

Sei que, para onde eu ia, encontrava alguém devida e encarnadamente calçado.

Neto de alfaiate por parte de pai e de chapeleiro por parte de mãe – ambos oriundis –, óbvio que também gosto de estar nos trinques com meus trapinhos, pisantes e afins.

Portanto, não resisti ao primeiro sapatênis que vi na referida cor.

III.

Atiçou-me que a loja estava em liquidação.

O cartão de crédito estava fácil – e eu precisava decorar a nova senha…

Pronto, deu-se o ocorrido, a compra. Cinco vezes, sem juros.

IV.

Depois da súbita e ilusória felicidade, veio o inevitável: tomar coragem para sair pela aí, com o dito-cujo anunciando minha chegada.

Ele não era – e ainda é – extravagante.

Não tem balagandãs, nem fivelas, nem alças, nem nada.

É quase discreto, quase sóbrio.

O que pega é a cor: vermelha.

Todo vermelho. Até o cadarço.

V.

Tentei usá-lo três ou quatro vezes. Na festa vespertina que homenageou um amigo, numa ida ao shopping perto de casa, numa passagem de ano em que todos já estavam pra lá de Marrakexh.

Ninguém comentou nada. Nem uma piadinha. Nem um comentário sequer.

Mesmo assim eu fiquei o tempo todo desconfortável na fita.

A impressão que eu tinha é que estava tudo certo.

De errado mesmo, só a cor do meu calçado: vermelha…

VI.

Para sanar o impasse, e salvar o investimento que fiz na compra do tal patrimônio, passei de bom grado o tênis ao meu filho que, à época, tinha vinte e poucos anos – e calça o mesmo número que eu..

O garoto adorou o presente.

Nada mais natural. A trava era minha mesmo. Coisas da idade.

Hoje a rapaziada é mais cabeça. Cada qual com seu estilo. Por mais mocholó que seja.

Viver – e deixar viver.

VII.

Confesso que não me lembro de vê-lo usando o tal.

Ontem, aliás, ele fez um bota-fora nas coisas dele – e quem o revejo, ilustre e altaneiro dentro da mesma caixa de papelão que um dia lhe entreguei?

Lá estava a peça algo empoeirada, mas intacta.

— O tênis é lega. De errado mesmo, só a cor, né, pai? Tênis vermelho não dá…

VIII.

Não preciso lhes falar que peguei o tênis de volta.

E, para acabar com todo e qualquer, usei ontem mesmo para ir ao futebol.

Cheguei todo faceiro ao Parque Antártica. Camiseta, bermudão e tênis – vermelho.

IX.

Como sempre faço, entrei pelo portão da Imprensa.

Cumprimentei o primeiro porteiro, o policial que me dispensou da ‘revista’, o segundo porteiro até que o terceiro porteiro, cioso do seu dever, desconsiderou minha credencial da Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo, vulgo ACEESP.

Ele foi taxativo.

— Não vou poder deixar o senhor entrar, me desculpe.

Fiquei atônito – e ele continuou.

— Não é permitido o uso de bermudas na cabine da ACEESP.

X.

Achei estranho. Sem propósito para os dias de hoje a restrição.

Dei meia volta – e até pensei em comprar uma calça de abrigo no shopping ao lado do estádio.

Desisti. Tive a sincera impressão de que a proibição à bermuda foi só uma desculpa.

Vi quando o senhorzinho olhou desconfiado para os meus pés. E reparou que meu calçado chama mais atenção do que a careca do técnico Antônio Carlos.

Foi nesse instante que ele decidiu.

Disfarçou com a história da bermuda, mas a decisão foi esta:

— Cara de tênis vermelho, aqui, não passa.

** FOTO NO BLOG: Nova York/arquivo pessoal