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Um tempo que não viu o Brasil passar…

“Viver é assim. Aturdir-se…” (João Antônio)

01. Com a devida vênia do colega e advogado dos mais ilustres Laerte Toporcov, tomo a liberdade de basear a coluna desta semana numa das observações feitas na tradicional seção Amigo do Bairro da semana passada. Em uma das notas, lá pelas tantas, Toporcov pespegou nostálgico a expressão: depois de um tempo que não vi passar… Coisa bonita! Bem que poderia virar título de livro.

02. Perdoe-me, caro Laerte, a apropriação indébita. Pois daqui para frente quero tocar essas maltraçadas em cima desse tempo que não vi passar. Recordações, certamente. Mas quantas delas nos revelam, com clareza, os descaminhos que hoje enfrentamos, seja âmbito pessoal (problemas, quem não os têm?), seja no âmbito coletivo. E, neste ítem, temos o quadro de miserabilidade em todos os sentidos que ataca o nosso Brasilzão velho de guerra.

03. Antes porém valho-me de uma distinção feita pelo cronista Carlos Heitor Cony entre nostalgia e melancolia. Nostalgia, diz o escriba, é quando se tem a sensação dos bons momentos que vivemos. Quase sempre tem um jeito de doce recordação, mas — tal e qual uma dose de Campari, se me permite a comparação — amarga no final, visto que é inarredável o fluir do tempo e aquele preciso momento não volta mais. Melancolia é aquele vazio do que poderia ter sido e não foi, portanto nunca será, uma vez que se perdeu no tempo e nos espaço. Quantos sonhos deixamos pelo caminho…

04. Lembro-me da observação de outro amigo a quem chamávamos, aqui na Redação, de Havengar, dado à semelhança física com o ator Antônio Abujamra, que à época participava de uma novela global e seu personagem tinha esse nome. O amigo dizia que o saudoso senador Franco Montoro era um homem melancólico, pois perdera o passo da História e nos últimos anos vira seu projeto de alcançar a Presidência da República esbalrroar-se porque durante a campanha das Diretas-Já (nos idos dos anos 80) dois outros nomes sobrepujaram o seu: Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. Aquele era o momento de Montoro, então governador de São Paulo; posteriormente seu nome sequer foi cogitado. Em 89, o candidato do PSDB foi Mário Covas e em 94, como todos sabemos e lamentamos, deu FHC…

05. Mas deixemos a melancolia de fora nesse tópico. Falemos da nostalgia. Diz um velho samba que recordar é viver. Pessoalmente, cada um de nós tem lá suas passagens mágicas, aquele túnel do tempo onde mergulhamos sempre que os olhos turvam e alma endurece. Particularmente, gosto de lembrar a estréia do meu filho como goleiro do Clube Atlético Ypiranga. O garoto estava com seis anos e formava ao lado do Alexandre Simoni (hoje campeão internacional de tênis) e Jorginho (o Paulista, lateral que joga no Vasco) uma equipe forte. Venceu os mamadeiras do Nacional por 2×0 e foi uma sensação que ainda hoje não sei descrever. Misturou ansiedade, apreensão, cuidado, realização e muita alegria. Coisa de pai coruja, mas inesquecível.

06. Felizes os que têm o que lembrar, disse-me o mesmo Havengar, antes de esquizinar-se mundo afora. A barra hoje anda pra lá de pesada. Não cabe devaneios. Dá uma melancolia danada ver o Brasil de ACMs, Lalaus, Jáders e quetais. Da Bahia em cacos. Dos presídios superlotados onde se enjaula toda uma geração que seria o futuro do país (em torno de 80 por cento dos presidiários têm menos de 25 anos). Dos juros nas alturas, que engessa a Economia e gera desemprego. Da desfaçatez dos nossos governantes, sempre a improvisar um discurso de feitos e realizações que nunca se refletem na qualidade de vida da nossa gente. Gente que ainda sonha e quer acreditar, como se vivessemos a euforia dos anos doirados. Mas, vaga incerta na dura realidade de um tempo que não viu o Brasil passar…