Sign up with your email address to be the first to know about new products, VIP offers, blog features & more.

Uma fantástica viagem chamada jornalismo

(* Jorge Tarquini)

Hoje eu quero falar um pouco de sonhos. Desde que me conheço por gente, ouvia aquela pergunta clássica: “o que você vai ser quando crescer?”.

Teve um tempo em que respondia com orgulho: “palhaço de circo”.

Esse sonho não sobreviveu muito tempo, substituído pela idéia de ser astronauta. Um sonho embalado por um momento inesquecível. Meu pai me acordou, numa noite fria de junho de 1969, para que eu visse, numa TV cheia de chuviscos, a imagem do homem pisando na lua.

Como não aceitavam astronautas mirins, e virar adulto levaria uma eternidade, eu precisaria de outro sonho enquanto esperasse. E minhas atenções, contra todas as probabilidades para uma criança hiperativa, se voltaram para algo, à primeira vista, menos glamuroso.

A sorte de crescer em uma casa de leitores vorazes, mesmo que não tão abastados, fez de livros, jornais e revistas um brinquedo inusitado: uma janela mágica para entender o mundo.

E também para sonhar com ele. Ao menos, foi assim que meu pai me explicou. Era o bom e velho papel sujo de tinta na forma de letras mágicas feitas por uns tais “jornalistas”.

O emaranhado de letras vinha impresso em diversos jornais e numa tal de revista Realidade, cuja tipografia bastão facilitava o trabalho de minha mãe na tarefa de me alfabetizar.

Afinal, aos cinco anos, eu nunca aprenderia sozinho a brincar com tudo aquilo – e esse seria mais um sonho esquecido. Mas, felizmente, minha mãe conseguiu. Eu entendi a brincadeira das letras.

Com elas, descobri o poder de ir a qualquer lugar, a qualquer tempo. Era como se eu pudesse ser quem eu quisesse e conhecer lugares e até pessoas inatingíveis – ao menos na minha cabeça.

Um soldado na guerra, um artista de cinema e até um político, por que não?

Quanto mais eu aprendia, mais difícil ficava escolher o que ser quando crescer.

No mundo, havia tantas coisas além do circo ou das espaçonaves. E nem tudo era belo. Havia uma tal de Guerra do Vietnã.

Havia um tal de AI-5. Havia também uma palavra difícil e inesquecível: subversivo.

Mas havia também algo de muito errado comigo. Meus heróis não eram mais o Homem Morcego e nem tampouco o National Kid.

Eu admirava simples nomes impressos que diziam quem havia escrito tudo aquilo naqueles jornais e revistas tão cheios de magia. Ler o que eles escreviam nos tornou verdadeiros amigos de infância, amigos do tipo “invisível”.

Lembro-me de ter ficado muito chateado com a quarta malária que Luigi Mamprin, bravo fotógrafo italiano radicado no Brasil, contraiu em mais uma missão com os irmãos Villas-Boas pela Amazônia.

Os horrores da guerra dos vietcongs ganharam um rosto quando, mesmo escondido de meu pai, consegui ver a imagem de José Hamilton Ribeiro ferido naquele país tão distante, vítima de uma guerra que não era sua.

Mas havia também momentos de pura euforia: as fotos e os textos de Lemyr Martins mostrando a conquista do tri-campeonato diretamente do México e, dois anos mais tarde, a vitória de Emerson na Fórmula 1.

Outros textos, para minha tristeza, só aprendi a entender um pouco mais tarde, como os que produzia Cláudio Abramo. Eles não contavam, simplesmente, o que havia acontecido, mas falavam de coisas muito sérias, que eu ainda não estava preparado para compreender.

Mas valeu a insistência na leitura: demorou, mas eu acabei entendendo a regra do jogo com o qual jogava Abramo.

Havia um tal Nelson Rodrigues, que falava de futebol como quem descreve um espetáculo de deuses nos gramados. Mais tarde, descobri que ele também era discípulo de Dionísio, o deus do teatro. Talvez por isso meus pais não me deixassem ler seus folhetins…

Aqueles meus tantos heróis do papel podiam falar de tudo, pois iam a qualquer lugar só para contar o que viram e espalhar, com suas palavras, o saber calcado na verdade; a informação baseada na vivência, naquele poder estranho de perguntar aos outros, na cara-dura, coisas que nem sempre eles queriam responder. E escrever sobre tudo isso para quem quisesse saber.

É, eles eram “jornalistas”. Por mais que crescesse ouvindo que tal jornalista havia sido preso, outro havia sido deportado, outro ainda havia sumido ou sido morto, o sonho de ser como eles persistia e se fortalecia, ao passo que eu entendia melhor o papel dessas pessoas que, no fundo, não eram como um engenheiro, um dentista, um médico.

O que eles faziam não era muito fácil de explicar, mas tão fácil de entender.

Assim como o ar, vital, mas que não se vê, o que eles faziam não tinha preço. Utópico, eu sei.

Mas meu sonho virou realidade. Nos meus 22 anos de jornalismo, muitas das utopias e dos mitos foram derrubados, para o bem e para o mal. Mas tive a felicidade de encontrar e trabalhar com alguns dos meus heróis de infância. Sim, Luigi, Lemyr, Setti e tantos outros, inclusive muitos que chegaram depois. E continuei aprendendo muito com eles e também com cada um de vocês, agora meus ex-alunos, até hoje.

Assim, o que era sonho virou paixão. E a paixão virou realidade. Uma realidade dura, de muitas horas de trabalho, outras tantas de sono perdido.

Um cotidiano de esforços nem sempre reconhecidos ou recompensados financeiramente. Mas é uma realidade de plenitudes, quando se faz aquilo que sempre se sonhou com paixão. E paixão não se explica, se vive.

Nada é perfeito. Por que o jornalismo deveria ser?
Mas nossa batalha, a batalha de vocês a partir de agora, é buscar essa perfeição, por mais vão que seja o esforço. É buscar a verdade. Por mais utópico que isso possa parecer. É buscar a isenção, por mais abstrato que possa significar. É muitas vezes passar por cima de convicções pessoais em nome da tal objetividade.

É ter o profissionalismo à frente até mesmo da vaidade e de outras emoções, porém sem deixar de ser plenamente humano. Um delicado equilíbrio. Uma arte, esse nosso jornalismo.

As tentações para que se prostituam esses sonhos não vão faltar pelo caminho. Já discutimos muitas vezes sobre isso e certamente passaremos a vida toda a discutir.

Dignidade é um artigo que não se encontra no mercado de segunda mão. Um jornalista só se vende uma vez.

Hoje estamos aqui para celebrar uma conquista de vocês, o mágico momento de sonhos que se tornam realidade.

Sonhar não custa nada. Mas espero que vocês nunca vendam seus sonhos. Pois eles não têm preço.

Que Deus os abençoe nessa fantástica viagem chamada jornalismo.