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Meu amigo, o Diguemos

– Diguemos que sim.

– Diguemos que não.

Fosse qual fosse a pergunta que se fizesse ao Diguemos, era assim que o Diguemos respondia. Tanto que, logo, o pessoal do malocão da rua Muniz de Souza esqueceu de vez o verdadeiro nome do Diguemos e, de Diguemos, o Cambuci todo passou a chamá-lo.

– Rapaz, você foi à inauguração do Peg Pag no Largo do Cambuci?

– Diguemos que sim.

– E à missa do Padre João, você vai?

– Diguemos que não. Ele é muito bravo.

É o Padre João tinha lá seus rompantes.

Nós, a molecada, o temíamos.

Diguemos era rapazinho, deveria ter mais motivos que nós para não enfrentá-lo em um confessionário.

II.

No princípio, divertíamo-nos com a brincadeira. Passamos a provocá-lo. Nas mais triviais das conversas, utilizávamos perguntas para induzi-lo a usar o indefectível bordão?

– Vai ao baile do Clube Olímpicos hoje?

– Diguemos que sim.

– E ao futebol na Várzea do Glicério amanhã?

– Diguemos que não.

III.

Digamos que o Diguemos não percebia o tom de deboche da turma. Se percebia, nunca fez caso. Sentia-se assim, digamos, honrado com o interesse de todos por ele e pelo que fazia.

– Você está esperando o bonde?

– Diguemos que sim.

– Vai passear?

– Diguemos que não. Vou pagar a conta de luz na Light.

IV.

Não sei se chateado com nossas gozações ou por outro motivo qualquer, o certo é que, incerta manhã, o Diguemos e a família desapareceram do bairro sem deixar rastros. Digamos que se mudaram às pressas. Falaram em aluguel atrasado, ordem de despejo e cousa e lousa e mariposa.

Nunca mais tivemos notícias dele.

V.
Nesta quarta-feira, como tantos torcedores do Palmeiras, fui à inauguração do Allianz Parque e enfrentei, no final da tarde, um trânsito bravíssimo no fim do Minhocão, na avenida Conde Francisco Matarazzo.

O anda-e-para me aborreceu tanto que num impulso entrei, com o carro, no primeiro estacionamento 24 horas que vi pela frente. Foi nas imediações do Parque da Água Branca, ao lado de uma Universidade e alguns metros antes de uma casa de música sertaneja.

VI.

Não fui só eu que pensei assim.

Outros tantos e tamanhos ‘sofredores do Verdão’ tiveram a mesma – e magnífica – ideia. Assim escapamos do congestionamento e da extorsão do alto preço dos estacionamentos mais próximos ao novo estádio (entre 50 e 60 reais).
VII.

Convido os meus caros cinco ou seis leitores a viverem a cena.

O estacionamento virou um furdunço só.

Não parava de entrar automóvel por todas as entradas do estabelecimento, até mesmo pela saída.

Os urros, cantos e gritos dos torcedores misturavam-se ao espanto dos fregueses habituais – estudantes e professores da Universidade.

No meio da bagunça generalizada, meia dúzia de funcionários tentava por ordem no enorme pátio, organizando a chegada e o enfileiramento dos veículos.

VIII.

Uma das professoras, recém chegada e diante de tamanha confusão, resolveu protestar para o senhor que ostentava um colete abóbora rebrilhante,
estampando a palavra ‘orientador’.

Identificou-se como mestre e exigia privilégios diante daquela “horda de invasores”.

Engatou um palavrório enfurecido.

– O gerente está? – perguntou ao senhorzinho, com voz de ameaça.

– Diguemos que não – respondeu o homem.

Só então me dei conta de que conhecia aquelas feições de algum lugar, mesmo que o tempo tenha feito um estrago danado nelas.

IX.

Mas, a mulher continuava destemperada.

E o diálogo, entre os dois, que se deu me foi revelador

– Mas, isso aqui está um caos!

– Diguemos que sim.

– Desse jeito vão amassar o meu carro…

– Diguemos que não.

– Somos clientes o ano todo merecemos respeito…

– Diguemos que sim.

– Tomara que o Palmeiras perca de 5 a 0.

X.

O orientador da ‘melhor idade’ nada respondeu.

Permaneceu em silêncio.

Ameaçou um riso, mas logo se conteve e continuou orientando nossas manobras:

– Diguemos que o senhor precisa chegar mais para esquerda e o do carro branco, diguemos, precisa ocupar a vaga ao lado.

XI.

Foi exatamente nessa hora que eu o reconheci.

Ali, estava o velho Diguemos, corintianíssimo que só. A praguejar, calado, contra o Verdão e a concordar com a professora exaltada.

Na hora, preferi não acreditar no mau agouro do reencontro.

Mas, diguemos, ops, digamos que foi em vão.