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O que o tempo leva… (17)

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UMA NOVELA BLOGUEIRA – (Foto: Jô Rabelo)

 

O ATOR em algum momento antes da virada do século. 1996 ou 97. 98, talvez…

 

Ela não veio. E não virá.

Sei bem que é assim e assim implacavelmente será…

Pior para mim, catatônico Don Juan das quebradas desse mundaréu. Fim de linha. Estilhaços de bobeiras que arranham e machucam alma e coração.

Aliás, quer saber…

Sempre soube que não viria mesmo quando ela tentava firmemente me convencer de que estava enganado.

Havia qualquer coisa em seu olhar, em sua proximidade que nos fazia iguais, cúmplices, comum de dois. Enrolados nas tais ondas eletromagnéticas dos sentimentos que não se explicam.

Mas perturbam, ofuscam, dominam.

Tentei chamar pela razão. Bobagem. Queria mais. Achei que poderia. Que merecia. Velas ao vento. Soltei as amarras e deixei me levar mar afora. Ondas, vagas, vagalhões. Furacões e tornados. Rumo ao desconhecido (que todos conhecemos tão bem).

Sonho ou fantasia.

Naufrágio à vista. Exagerei. A paixão, puro afã. Valeu o nada, o vazio. Pouco importa. Navegar é preciso. Viver também – e principalmente. Meio-amor, meio sentimento não existem.

Metade de uma grande paixão não é nem metade, nem grande, muito menos paixão.

Mesmo agora, quando sei o que sei, olho para o portão de acesso ao prédio, o estacionamento, os jardins, o saguão. Olho para todos os lugares. Procuro e procuro algum vestígio, a miragem ilusão de vê-la chegando como tantas vezes chegou sem que eu a esperasse.

É como rezar por um milagre.

Só que anjos e santos, querubins e serafins têm mais o que fazer do que dar ouvido às minhas veleidades de pretenso Casanova que sequer gondolou pelos canais e becos de Veneza.

Não sei explicar.

Não sem fugir do óbvio das emoções primárias.

Parece que, por todo o corpo, corre em vasos e artérias um sangue envenenado que arde e queima e pressiona. Faz o coração bater acelerado, como dizem mesmo… ‘saltando pela boca’.

Como disse, não sei explicar — e há quem consiga?

Mas queria muito entender o sim e o não desses romances tortos, como o anjo de Drummond.

Ameaçam, insinuam. Mas, não se completam.

Talvez ela não tivesse nada melhor para fazer naquelas breves noites. O que se falou, o que se propôs, o que se fez e o que se deixou de fazer. Jogo de sedução. Toques sutis. Um jeito de corpo para acomodar o desejo que ameaçava transbordar.

Queríamos demais ser felizes – só que cada um a seu modo, em seu mundo.

Quem sabe seja por aí.

Representamos o tudo, o tudo que gostaríamos de ser e ter – e não somos e não temos mais.

Autoengano, duplo.

Depois o reencontro sempre adiado.

Ou seria o verdadeiro encontro?

As desculpas, ao telefone.

“Não quero mudar minha decisão.

Você sabe embarco para Londres na outra sexta”.

O recado no e-mail, dias depois.

“Quero lhe ver…

Se tiver coragem, apareço aí amanhã”.

Ela sempre soube que não viria. Mesmo assim acreditou na possibilidade.

Fez questão de insinuar que sim.

Da intensidade do não, eu bem sabia.

Era como zerar nossas vidas.
Insistimos em nos enganar.

Mas, reconheço: fui eu o boneco joão-teimoso da trama. Imaginei: tinha tudo para dar certo. Motivos, aliás, não faltavam.

Enganei-me desde o primeiro momento.

Assimilei como absoluta a tal história que ela contou sobre a outra metade da laranja. Acreditei em alma gêmea, ponto luminoso, reencontro cósmico e outros ledos enganos.

Também pudera.

Se eu a tivesse projetado, poderia usar todos os requintes das novas tecnologias, reunir ingredientes das sete maravilhas, girar ao redor do Planeta em nome da ciência e, estou certo, não sairia tão perfeita, tão linda. O contato foi imediato. Tudo levava crer que sim. Luz e mistério.

De que tela de cinema, ela saiu?

Puxo pela memória. Busco o insondável. Olho para o céu. Corta os ares um jato que logo imagino ser da British Air Line. Naquele quase imperceptível ponto do infinito pode estar ela, a que não veio.

Não virá.

Alguém a espera em Londres – ou em qualquer canto deste mundão de meu Deus? É provável.

Só agora me dou conta que também andei nas nuvens.

Como aqueles bimotores antigos, aliás.

Dei piruetas e rasantes, desenhei corações de fumaça e mergulhei em arriscados loopings. Tudo para encantar olhos que, a bem da verdade, já não me viam. Um baita equívoco.

Qualquer coisa como ir ao Iraque lutar por algo que, sempre soube, nunca seria meu.

Ironia das ironias.

Não sei o porquê agora me veio a fala de uma personagem de Millôr Fernandes que representei tantas vezes, há tantos e tantos anos:

Melhor cair das nuvens…
… do que se estatelar do quarto andar.

23 de abril. Um canto. A oração…

 

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