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Breve memória de um homem barbado

Homens usam chapéus.

Meninos usam bonés.

No tempo dos meus avôs, as verdades eram absolutas, incontestáveis.

Em uma de suas deliciosas crônicas, Rubem Braga saudou aqueles dias:

“Eu sou do tempo em que todos os telefones eram pretos e as geladeiras, todas, eram brancas”.

Não conheci o vô Rodolfo que era alfaiate (morreu meses antes de eu nascer), mas convivi com o vô Carlito que era chefe da seção de chapelaria da Ramenzzoni, no Cambuci.

Eu era um garoto curioso que via o pai escanhoar o rosto todo o santo o dia.

– Marmanjo com a barba por fazer é o cúmulo do desmazelo

Fosse qual fosse a classe social, do operário ao patrão, era imperdoável apresentar-se socialmente sem estar com o rosto raspado e devidamente borrifado com loção, tipo Água Velva.

O pai cultivava, com esmero, de um fino bigode no melhor estilo Clark Gable, em O Vento Levou.

Era o máximo que se permitia em termos de pelos no rosto.

II.

Não lembro exatamente quando as coisas começaram a mudar.

Mas, aí eu já era um rapazote, fã dos Beatles e dos Rolling Stone.

Pensando melhor.

Talvez tenha sido na segunda fase dos Beatles que desandou o formalismo dos padrões estéticos vigentes.

Paul, Ringo, John e Harrison viajaram para a Índia, conversaram com um guru, toparam com as tais “experiências místicas” e voltaram cheios de ideinhas e largações.

Abandonaram os terninhos sem gola, as franjinhas bem aparadas e as botinhas rebrilhantes para consagrar um estilo mais descolado. Cabelos longos, desgrenhados que só e barbas a reverenciar os profetas e os ermitões.

A capa do histórico disco Abbey Road é a melhor prova da mudança.

Depois vieram os hippies e escancararam.

Levaram o relaxo, com estilo, às últimas conseqüências.

III.

Mesmo assim, só a rapaziada alternativa enfrentava a barra de ignorar os padrões convencionais.

Para trabalhar em um banco, por exemplo, o interessado precisava vestir-se adequadamente (tons escuros de terno, camisa clara e a indispensável gravata) e usar cabelos bem aparados (que não roçasse o colarinho da camisa) e o rosto a exibir aquela pele lisinha, lisinha, como se fosse um bumbum de bebê.

Quem escapasse desses padrões, podia ser o gênio das finanças, seria eliminado na primeira etapa da seleção de candidatos.

*Continua amanhã…

(O Blog hoje completa oito anos
e 2335 posts. Nunca imaginei…
Agradeço aos meus cinco
ou seis leitores pela
paciência em me ouvir.)