Soube que abriu um restaurante novo perto de casa.
“Naquela rua atrás da padaria”, me diz o Romeiro, um dos porteiros de um prédio próximo de onde moro, aqui em Săo Bernardo do Campo.
“É chique que só, conheço o dono!”.
Romeiro fica zanzando do outro lado da calçada enquanto espera a hora de pegar no batente. É quando o encontro na manhă deste domingo arrastado e tedioso.
Saio para caminhar e, se possível, achar um tema para a crônica de hoje.
II.
Escrever, dia sim, outro também, por vezes, é um martírio.
Nada que li nos jornais de hoje me seduz e/ou anima.
O falante nordestino tenta me ajudar.
- Fale de política, homem. Das eleiçőes. Já que o seu Palmeiras tá de dá um dó.
Nesse exato momento, passa um carro de som do cantor Frank Aguiar, o Căozinho dos Teclados, que é candidato a deputado federal. E dá-lhe falaçăo, música alta e vários “aus aus”.
Romeiro entende logo o que penso.
Falar o quę disso tudo que estamos vivendo?
III.
Mudo de assunto.
Falo que ontem vi o programa do Serginho Groisman e me condoí com a tristeza de Erasmo Carlos (por ter perdido um filho recentemente). Ficou quase o todo tempo calado, aplaudindo discretamente as diversas apresentaçőes do programa e, quando chegou sua vez, cantou um rock pungente – e em grande estilo – chamado “Gigante Gentil”.
Ao terminar, despediu-se da plateia e, quando o apresentador tocou no assunto, preferiu cortar logo com um emblemático: “Vida que segue”.
Erasmo é um grande nome da MPB – talvez năo lhe façam a justiça necessária. É um grande homem, principalmente.
Romeiro năo assistiu ao programa. Nem sabia direito onde o parceiro de Roberto andava e o que fazia.
- Acho que a última música que ouvi dele foi aquela “Gatinha Manhosa”, diz sem muita convicçăo.
“Vamos respeitar a dor do homem”, completa – “e nem é um bom assunto pra turma lę no fim de semana. Concorda?”.
IV.
Năo tive tempo de responder.
Logo ele veio com a conversa do novo restaurante.
“É pra bacanudos como o senhor. Deve ser caro pra dedéu”.
Sem que eu lhe pergunte, ele conta a história de como nasceu o empreendimento. O dono era um executivo de sucesso em uma multinacional, ganhava ótimo salário, trabalhava pra caramba, andava estressado, distante da família, e năo era feliz. Largou tudo e, junto com a mulher e os filhos, decidiram partir para a aventura de viver fazendo única e exclusivamente o que se gosta.
“Ele agora é o chef”, conta Romeiro. “Faz pessoalmente todos os pratos, e se diz o cara mais feliz do mundo”.
Meu interlocutor sabe disso tudo porque o agora “chef” mora no prédio em que ele trabalha.
“Isto, sim, é assunto para uma crônica de domingo. Concorda?”
V.
Disse que pensaria no assunto.
Reparo que Romeiro se entusiasmou com o assunto. É provável que pense algo neste sentido para ele também. Tem sempre um suspiro saudoso quando lembra as praias do Ceará.
Năo o condeno. É um sonho que perpassa a cabeça da maioria das pessoas. A minha, inclusive. Só que năo descobri ainda o que gosto de fazer, nem onde. Mas, eu chego lá. |