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Debruço sobre a janela para espiar o mundo lá fora.
Năo chove, nem faz sol.
Vejo a moça, lá embaixo, distante, a andar de um lado para outro, com o celular junto ao ouvido.
Faz o que eu chamaria de ‘a dança do pavăo’ – ou melhor, da ‘pavoa’, com todo o respeito, é claro.
Passinhos pra cá, passinhos pra lá.
Aposto que nem ela própria se dá conta do vaivém.
Aposto mais.
Fala com o namorado, o admirador, o ficante, o peguete...
Certamente, alguém que lhe interessa – e muito e versa e vice.
Cá com meus cambaleantes botőes, tento lembrar como era o mundo antes do celular.
O mundo e os amores.
II.
Era mesmo um perereco.
Quantos plantőes sem fim diante daquele aparelho, sinistro, preto, que teimava em năo tocar?
O inverso também era verdadeiro.
Quanta expectativa para ouvir o “alô” quando ligávamos – e nada de a moça atender?
E as filas quilométricas diante de orelhőes?
Nos fins de semana ficavam apinhados de gente para falar com a parentada do Nordeste – e a gente, ali, esperando a vez.
Depois, a gente ainda tomava um esculhambo porque demoramos a ligar.
Năo era fácil.
Havia casos, os tais amores clandestinos, em que era terminantemente proibido telefonar para a casa da amada. Poderia ser uma trágica bandeira.
Era preciso mesmo criatividade – e empenho – para conjugar o verbo amar.
III.
Dogiva era um dos nossos, freqüentador assíduo daquele Sujinho na esquina da rua Bom Pastor com a rua Greenfeld, onde o Sacomă torce o rabo.
Dado ŕs trampolinagens explícitas e aos amores impossíveis, armava mil e um esquemas para dar seus recados ŕ “mulher da sua vida”.
Vocęs podem até achar que estou inventando, mas năo.
Era exatamente assim que chamava a todas, incautas que caíam no seu conversę.
Mas, essa história eu conto amanhă...
FOTO NO BLOG: Caio Kenji |