Converso com o Wanderley.

Ele se auto-intitula ‘o bugueiro mais antigo de Jericoacoara e adjacências’. Sabe todos caminhos, trilhas e atalhos do areal do Parque Nacional que muda de cenário a cada dia, a cada hora, ao sabor dos ventos.

- As dunas se movem, mas não me enganam.

Wanderley tem fala simples e objetiva para as questões que este turista parvo lhe faz.

- Aqui se vive – responde ao justificar porque deixou Petrópolis, no Rio de Janeiro, aos 32 anos para se embrenhar pelas praias cearenses. Escolheu Jeri para se fixar e, trinta anos depois, não se arrepende um nada da escolha.

- Olha a beleza do lugar!

Dá um tom imperativo à sua fala. Basta um olhar mais alongado para o azul do céu, o verde embrenhado do mar, as dunas de areia a nos cercar para, silenciosamente, concordar com ele.

- Tudo o mais é desnecessário.

Entendo esse “tudo o mais” como os atropelos que a vida na cidade grande nos traz. Gostaria de saber mais de como vive, das aspirações, dos compromissos e tal.

Ele toma a iniciativa de responder minhas inquietações sem que eu lhe pergunte.

- Quem vem pra cá não vem pensando em enriquecer.

Ops, Uma boa dica. Faz sentido.

- Quer viver...

Balanço a cabeça num gesto de quem se esforça para entender.

Recebo um sorriso como resposta, e uma proposta que fala por si:

- Vamos comer um ‘peixinho’ na Praia do Abreu? É lindo lá e a comida uma delícia.

(Manhã de quarta, em São Paulo. Acordo. Temperatura por volta dos 10 graus. Leio os jornais antes de sair – o terremoto na Itália, as negociatas do interino para se manter no cargo, as dissensões de Gilmar Mendes e Janot na condução da Lava-jato, a votação do impeachment... Estou atrasado para o trabalho, alguém me manda um zap e me alerta para os compromissos do dia, tomo um gole de café amargo, visto o casaco e vou... Antes, porém, por instantes, lembro os dias em Jeri... Imagino a temperatura por volta de 30 graus, as ruas de areia, um pequeno mundo dentro do mundo... O Wanderley é um sábio. O peixe estava mesmo uma delícia e o por do sol, naquela tarde, no morro em frente à Pedra Furada, foi inesquecível.)